Em 1943 o Governo Federal acabara de criar a Expedição Roncador-Xingu, com o objetivo principal de conhecer e desbravar as áreas que estavam “em branco” nos mapas do Brasil. Em uma pensão, três irmãos, liam e conversavam sobre o sertão. Abriam grandes mapas sobre os quais se debruçavam, deixando o sonho correr livre. Sem imaginar que iriam passar mais de quarenta anos na selva, Orlando, Cláudio e Leonardo decidem inscrever-se na Fundação Brasil Central. Começava ali a epopéia da Expedição Roncador-Xingu, “A Marcha para o Oeste”. Nascia ali também a história dos três Irmãos Villas Bôas. Darcy Ribeiro, um dos mais memoráveis antropólogos brasileiros, ao se referir aos Villas Bôas disse: “Eles compuseram as vidas mais belas de que se tem notícia!”. Aventuras tão ousadas e generosas que seriam impensáveis, se eles não as tivessem vivido. Só se compara a de Rondon a façanha destes três irmãos, que se embrenharam Brasil adentro, por matas e campos indevassados, ao encontro de índios intocados pela civilização.
Orlando Villas Bôas faleceu no dia 12 de Dezembro de 2002 deixando um legado de amor e respeito por nossos índios. Em Julho de 2003, mais precisamente no Alto Xingu, o último dos Irmãos Villas Bôas recebeu a maior honraria que um “caraíba” (homem branco), poderia receber. Mais de 2.000 índios, vindos de diversas regiões, se concentraram na aldeia Yawalapiti para a celebração do que muitos chamaram de “O Último Quarup!”.
O Último Quarup
Quarup para as etnias do Alto Xingu é uma festa em homenagem aos mortos. É a celebração de passagem onde o espírito do homem vai habitar a aldeia dos mortos. Um toro de madeira da árvore “Mari” é cortado e tem a base enterrada no pátio da aldeia. Os homens se juntam ao redor para entalhar e pintar suas formas. Depois ele é adornado com o “Tucanapi”, um cocar de penas de tucano, arara, japim e as penas sagradas do Gavião Real. Também amarram em sua volta abraçadeiras coloridas e o colar de caramujo Muirapeí decoram seu pescoço. Neste momento, o espírito do homenageado ganha direito a uma nova vida nas formas do Quarup. O homem já esta presente para o cerimonial!
Nestes dias que antecedem ao Quarup, a aldeia ganha um novo ritmo. Pode-se escutar por horas a fio o som das flautas Uruá, que ecoa para nós dizendo o que está para acontecer. As cores também fazem parte deste cerimonial. O vermelho do urucum, o negro azulado do jenipapo e o branco retirado do barro de tabatinga se imprimem aos corpos dos homens. Um a um vão se apresentando ao kuarup para celebrarem sua volta. Em um grande cordão cantam e dançam num passo ritmado. Logo todos os convidados estarão presentes para a luta de Huka-huka.
“Huka-huka!”, “Huka-huka!” gritam os lutadores em um som gutural, imitando Djauarum, a onça preta. Frente a frente giram e se provocam mutuamente e no momento exato se atacam. A luta é o encerramento da homenagem, logo o toro será lançado nas águas do rio Tuatuari para de lá caminhar para o Ivati, sua nova morada: o Céu dos Xinguanos.
Em 1998 foi realizado o Kuarup em homenagem a Cláudio Villas Bôas. Orlando, seu irmão, trouxe para São Paulo o toro de Cláudio, pois queria estar mais tempo a seu lado. Quatro anos depois, com o falecimento de Orlando, Marina Villas Bôas, esposa do sertanista, achou por bem que os dois irmãos pudessem partir para a nova morada, unidos como sempre estiveram. Coube ao fotógrafo Renato Soares montar uma expedição para levar de volta ao Xingu, “Tio Cláudio”, como foi carinhosamente chamado o toro pela equipe. Hoje, no fundo das águas do Tuatuari descansam juntos e em paz os três irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas.